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Um resgate necessário

Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação

Atenção” é o envolvimento cognitivo e emocional que temos diante de uma situação, um acontecimento ou um objeto; trata-se, em suma, da ligação dos nossos sentidos com um momento. Assim, exceto quando está meditando ou dormindo (e há controvérsias sobre o segundo caso), você está com a atenção voltada para alguma coisa.

Neste sentido, a atenção humana é um fluxo contínuo, ininterrupto, que se entrelaça intimamente com o tempo, com a própria vida. O tempo está passando, a vida está acontecendo e nossas memórias, histórias, identidades, visões de mundo e noções de realidade estão sendo construídas a cada instante. E tudo isso depende de onde está a nossa atenção, em que ela se fixa, que elementos sensíveis ganham relevo a ponto de conquistarem (capturarem?) nossa atenção.

A tese da “economia da atenção”, termo cunhado pela primeira vez em 1971 pelo economista, psicólogo e cientista político estadunidense Herbert Alexander Simon, ajudou a normalizar o fato de que a atenção passou a ser uma mercadoria. Quem nunca ouviu variações da ideia de que, atualmente, diante da – real – sobrecarga de informação e de estímulos da vida contemporânea, a atenção é o “recurso”, “bem” ou “ativo” mais escasso?

Desde então, nesses mais de 50 anos, testemunhamos a globalização econômica, a popularização da internet, o advento das redes sociais, uma pandemia e, agora, o crescimento das inteligências artificiais, todos fenômenos tectônicos que transformaram radical e definitivamente a paisagem global, inclusive o equilíbrio geopolítico, os mercados, o mundo do trabalho, as relações interpessoais em todos os âmbitos, as subjetividades e a própria racionalidade contemporânea. Enfim, vivemos em outro mundo.

Porém, de lá para cá, esse processo apenas se aprofundou e ganhou velocidade, ou seja, não só a economia da atenção sobreviveu incólume a esse mais de meio século de transformações disruptivas como está mais atual do que nunca, tanto que continua sendo buzzword.

A atenção está na moda. E, junto com ela, a experiência, que é justamente o resultado da consciência que temos (ou não) dessa atenção.

“Experiência” também é uma buzzword há bastante tempo. Mas, diferentemente da sua antecessora “atenção”, ela se feriu bem mais no tiroteio da História. Palavrinha surrada, tem atravessado uma jornada e tanto, usada do jeito errado e abusada com sentidos errôneos em situações erradas. Enfim, termo e conceito acabaram se desencontrando.

O termo surgiu como tendência, em 1999, com a publicação do clássico The experience economy, de Joe Pine e James Gilmore, dois anos depois do lançamento da seminal campanha Priceless, da Mastercard, ícone maior da economia da experiência. Virou moda, ficou nos trending topics da publicidade e do marketing durante toda a década de 2000 com o “marketing de experiência” até virar meme e, mais tarde, chegar ao fundo do poço como esquete do Porta dos Fundos: “…antes era um hot dog, agora é uma experiência”.

Claro que essa derrocada do conceito não foi à toa. A tese original de The experience economy realmente defende que a complexidade crescente dos mercados e das relações de consumo impuseram o acréscimo de uma nova camada – experiencial – aos produtos e serviços, a fim de agregar valor às ofertas das marcas – o que, consequentemente, aumenta o ticket e a rentabilidade. Afinal de contas, a ideia é exatamente que experiências não têm preço.

O que aconteceu, no entanto, foi que a relação original de causalidade da tese acabou sendo invertida: muitas marcas, em vez de acrescentarem uma camada robusta de experiência às suas propostas –  que contasse com um olhar apurado, um frame bem definido, uma intencionalidade coerente, um claro valor percebido, enfim, empatia, autenticidade e um design de experiência completo e bem-feito –, simplesmente aumentaram os preços de suas ofertas e tentaram compensar com um storytelling cativante. O truque deu certo algumas vezes – por pouco tempo – e deu errado tantas outras, mas essa insistência colaborou para jogar o nome da experiência na sarjeta.

Definitivamente, não é aí que ela merece estar!

Desde que nos entendemos por gente, o que nos define não são os produtos ou serviços que consumimos, mas as experiências que vivemos: dos rituais ancestrais à interação cotidiana com tecnologias modernas, cada vivência deixa um traço na nossa memória, nos molda como indivíduos e forja a maneira como interpretamos o mundo e agimos nele.

Por essas e outras, era necessário um resgate amplo, completo e definitivo que fizesse a experiência voltar a ocupar um espaço na prateleira de cima das percepções do mercado, das marcas e dos diversos stakeholders, que, afinal, têm sua atenção “capturada” e sua vida impactada – e construída – por experiências o tempo todo.

E é exatamente aí que reside a importância deste livro: Bob e Mat resgataram o conceito do design de experiências, colocando-o acima de qualquer dúvida.

Nesta obra fundamental, eles recolocam alguns conceitos básicos nos seus devidos trilhos e propõem uma definição própria de experiência, insistindo que, se queremos tratar de um tema, é essencial conhecê-lo em toda a sua complexidade.

Mais importante, eles detalham um processo de design de experiências estruturado, completo e amplamente contextualizado no mercado e nas tendências de consumo atuais. Os autores mostram com clareza – e muita generosidade – como tornar possível o desenho de experiências com técnica, intencionalidade, propósito e estratégia, apresentando métodos, frameworks e ferramentas que nos permitem aplicar os conceitos com segurança.

Este livro consolida uma teoria do design de experiências. Não é pouca coisa.

Para compor o corpo de conhecimento dessa área fundamentalmente multidisciplinar, eles bebem em fontes como design gráfico e de produto, branding, arquitetura, psicologia, UX design, turismo, design thinking, neurociências, artes plásticas, tecnologia e planejamento estratégico, entre tantas outras. Tudo isso torna a obra inescapável para quem quer se aventurar pelas quebradas do design de experiências.

No Brasil, o mercado de experiência de marca segue pujante, tendo movimentado cerca de R$ 110 bilhões apenas no ano passado, segundo dados do Anuário Brasileiro de Live Marketing 2024-2025. Além disso, a perspectiva é de crescimento, seguindo as tendências de experiências imersivas, festivalização dos eventos, experiências sensoriais, o avanço das tecnologias – incluindo as IAs – e as mudanças radicais nos hábitos de consumo: as pessoas estão cada vez mais saturadas do excesso de informações e estímulos, menos fiéis a marcas e mais atentas a propósito, sustentabilidade e valor efetivo das ofertas.

Nesse cenário tão desafiador, entendemos que é necessário elevar ainda mais o nível da discussão sobre design de experiências no Brasil, tratando não apenas de afastar as marcas e agências cada vez mais da vulgarização da “experiência” de décadas passadas, mas também – e principalmente – de introduzir e provocar uma reflexão mais ampla e completa sobre essa disciplina.

Queremos acrescentar a uma prática de mercado já sofisticada uma teoria ao mesmo tempo sólida e acessível que possa iluminar e retroalimentar essa prática para melhorá-la, além de conectar a comunidade brasileira do design de experiências em torno de uma referência que dê conta da complexidade da sociedade e do consumidor atual.

Por tudo isso, a primeira edição brasileira desta obra é um legítimo divisor de águas na busca da acepção original do conceito de “experiência”, aquela que brinda consumidores, usuários, convidados ou simplesmente participantes com momentos verdadeiramente notáveis, memoráveis, significativos e, quiçá, transformadores.

O design de experiências intencional, estruturado e com um olhar atento reinventa a disputa pela atenção das pessoas, convertendo o “sequestro” de atenção cometido com recursos duvidosos em uma prática consciente, volitiva, consensual, leal e com impactos extraordinários para todos os envolvidos.

Vamos nos preparar para aplicar o design de experiências com o máximo do seu potencial para desenhar o tempo com delicadeza, sofisticação e maestria, fazendo que cada momento valha a pena. Até porque – não custa lembrar – o tempo não é reembolsável.

Leandro Duarte e Rodrigo Martins

Sócios-fundadores da Nuts

junho de 2025