Immersive dining como laboratório para o design de experiências
Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação
Vamos começar colocando os pingos nos is: imersão não é um, digamos, “efeito especial”. É uma experiência que envolve os cinco sentidos e desfaz a separação entre quem observa e o que acontece.
O fenômeno do immersive dining cresce no mundo inteiro, mas com ele cresce também um certo mal-entendido. Muita gente acha que basta projetar umas ondas no teto, colocar uma trilha sonora atmosférica, servir um menu de sete etapas e pronto: experiência imersiva garantida.
Errado. Isso não é imersão: é cenografia com comida.
Quando comer não é só comer
Immersive dining é um conceito que une gastronomia, narrativa, espaço e design sensorial. É um jantar que não se limita ao prato, mas cria um ambiente onde espaço, som, luz, cheiros, texturas, narrativa, contexto e a própria interação com o público compõem uma experiência totalmente integrada.
É quando a refeição vira enredo, o espaço vira personagem e quem come deixa de ser receptor / espectador para se tornar co-emissor / protagonista da experiência.
Esse fenômeno interessa ao campo do design de experiências porque, na prática, é um laboratório radical no qual todos os princípios que regem experiências memoráveis estão operando ao mesmo tempo.
No immersive dining, convergem temas que são centrais para qualquer designer de experiências hoje:
- A relação entre corpo, espaço, tempo e narrativa.
- O uso intencional da tecnologia como amplificadora de presença (e não só de espetáculo).
- A força simbólica dos espaços como agentes ativos da experiência (venue power).
- O desenho de rituais, sequências sensoriais e dramaturgias que deslocam o público do cotidiano para estados expandidos de atenção, afeto e pertencimento.
Se você trabalha com live marketing, eventos, festivais, brand experience, turismo, cultura ou branding, olhar para esse território é estudar o estado da arte do que significa projetar presença no mundo hoje.
Muito além do prato: o que define uma experiência imersiva?
Se a palavra “imersão” virou moda, é porque ela tem um apelo óbvio: todo mundo quer se sentir transportado, deslocado, encantado. Mas como isso se produz?
O relatório Nuts Tips ajuda a organizar essa discussão com três camadas fundamentais da imersão:
- Imersão física: estímulo sensorial (som, luz, espaço, temperatura, cheiro e textura).
- Imersão psicológica: narrativa, rito, dramaturgia e participação ativa.
- Imersão ontológica: quando a experiência toca em quem você é, seus valores, sua visão de mundo.
Quando falamos de immersive dining, a maioria dos projetos opera confortavelmente na primeira camada – projeções, LEDs, aromas provocativos e sound design sincronizado. Tecnologia a serviço do efeito “uau!”. Fazer isso com excelência é difícil exige muita competência em vários campos, que fique bem claro.
Os projetos ótimos cruzam a fronteira da segunda camada de imersão, como no Forces of Nature, da brilhante dupla de artistas britânicos Bompas & Parr: um jantar em que você sente o vento, o som, o cheiro e o gosto das forças da natureza, num ambiente montado em meio a paredes de rochas vulcânicas e com cortes bovinos grelhados com lava!
Mas são raros, muito raros, os projetos que acessam a camada mais profunda. Aquela em que você sai transformado, questionando coisas sobre você, sobre o mundo, sobre o próprio ato de se alimentar.
O poder do espaço: venues que são personagens
Aqui entra outro vetor fundamental da imersão: o espaço.
O conceito de “venue power” deixa isso claro: não existe imersão real se o espaço não for um agente ativo da experiência.
Veja o trabalho da designer de experiências Ida Benedetto, que criou jantares clandestinos dentro de uma caixa d’água desativada em Nova York, no famoso projeto Night Heron Speakeasy. Ali, o espaço é mais do que cenário, é provocação. Você não está só jantando em um lugar diferente. Está atravessando uma fronteira sensorial, simbólica e emocional.
Perceba: um designer de experiências que não entende espaço como narrativa está, na prática, trabalhando com cenografia, com logística, com montagem, com tudo, menos com experiência.
A falsa dicotomia: tecnologia versus rito
Existe uma obsessão contemporânea com tecnologia imersiva: LEDs translúcidos, mapping, som espacial, IA… E, sim, todas essas ferramentas têm potência. Mas, se dependesse só disso, não precisaríamos sair de casa – um headset de VR resolveria tudo.
Imersão não se faz (só) de pixels. Ela se faz de corpo, de gesto e de rito. E isso conecta o immersive dining a práticas ancestrais que nem sequer se vendem como imersivas, mas são profundamente imersivas há séculos.
Veja o Jantar às Cegas, por exemplo. Retirar a visão é uma operação simples, quase banal. Mas o que ela provoca é extraordinário: reorganiza completamente seus sentidos, sua percepção, sua relação com o outro e com o próprio ato de comer. Isso é uma imersão profunda, direta e analógica.
O mesmo vale para o icônico Dinner in the Sky, que leva você a jantar suspenso a 50 metros de altura. Não há tecnologia digital ali. Mas há um deslocamento físico, simbólico e sensorial que redefine a experiência.
Se você desenha experiências, qualquer tipo que seja, essa é uma lição que não dá pra ignorar: não existe tecnologia que compense a ausência de rito.
E se o jantar for só o pretexto?
Quando olhamos para cases mais sofisticados, como o trabalho da Nickol von der Meden, percebemos que o jantar, na verdade, é só o meio. O que está em jogo é outro tipo de consumo: o de narrativa, de identidade, de pertencimento e de memória.
O jantar deixa de ser um evento e passa a ser um rito de passagem.
Indo um pouco mais além, eu diria que o immersive dining é um sintoma. Um sintoma de um mundo que busca, desesperadamente, resgatar algo que a sociedade do cansaço corroeu: o senso de presença, de pertencimento e de encantamento.
Mas imersão de verdade não se encontra na prateleira, seja em LED ou em projeção 360. Ela exige intenção, narrativa, entrega, co-criação e risco.
E é por isso que esse tema interessa tanto ao design de experiências. Porque ele é um campo avançado de estudo, prático, sensorial e simbólico, sobre tudo aquilo que define uma experiência extraordinária: atenção, presença, reflexão, emoção, memória, contexto e transformação.
Talvez seja essa a pergunta mais honesta que qualquer designer de experiências deveria se fazer antes de começar: o que, de fato, as pessoas estão vindo consumir aqui? Comida, conteúdo ou conexão?