O que os desfiles de moda podem ensinar sobre design de experiências
Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação
A São Paulo Fashion Week chegou à sua 60ª edição em 2025, celebrando três décadas de história. São trinta anos contando histórias por meio de roupas, luzes e passarelas.
Mas por que os modelitos que a gente vê nos desfiles não aparecem nas araras das lojas? Simples: porque os festivais de moda são laboratórios de experiência. E é disso que eu quero falar, porque esse passeio da moda tem muito a ensinar para quem trabalha com marca, design, produto, eventos ou qualquer atividade que envolva lidar com atenção, emoções, narrativas e sentidos.
A experiência é a mensagem (e o lugar também)
Um desfile não precisa acontecer numa passarela convencional. Aliás, cada vez menos acontece. A escolha do lugar onde a coleção será apresentada é parte integral da narrativa que a marca quer contar. Taí novamente uma grande lição para quem desenha experiências: o contexto não é um mero detalhe, é um componente ativo da mensagem.
Os últimos dois desfiles do Alexandre Herchcovitch na SPFW, em que a Agência Nuts produziu o catering para a Catupiry®, foram em locais bem inusitados. O da edição 59 aconteceu na Blue Space, na Barra Funda, casa conhecida pelos shows de drag queens, e o último foi na Sala do Conservatório, espaço lindo na Praça das Artes, no centro da cidade. Percebe como as histórias que cada local conta são bem diferentes?
Outro exemplo perfeito aconteceu na Paris Fashion Week, quando a Lacoste apresentou sua coleção outono-inverno 25/26 na quadra central de Roland Garros (sim, na quadra Philippe Chatrier, onde Nadal ganhou seus 14 títulos e Guga seus históricos três campeonatos). O saibro característico foi coberto e transformado em cenário do desfile. A sensação era de dia de jogo!
Tanto que, assim como em qualquer final de Grand Slam, a primeira fila estava repleta de estrelas. A coleção se inspirou na vida de René Lacoste, fundador da marca e tenista três vezes campeão de Roland Garros. A ideia foi trazer de volta a elegância francesa contemporânea, que transcende o mundo do esporte e revisita a vida do fundador como empresário, inventor e figura pública. E nada melhor do que a quadra de tênis para evocar essa vibe.
É aí que está o ponto: a Lacoste não escolheu Roland Garros simplesmente porque é bonito ou diferente. Escolheu porque aquele lugar carrega em si décadas de história da marca, do esporte que a fundou e da cultura que ela representa. O lugar era a narrativa. E isso transformou completamente como as pessoas viveram aquele momento.
Conceito versus realidade: o que voa e o que anda
É claro que ninguém vai usar na rua 90% do que aparece numa passarela. E não é para usar mesmo. Desfiles trabalham com dois níveis de comunicação simultâneos. Primeiro, o conceito, ou seja, a ideia abstrata, o território emocional, a visão de mundo que aquela marca quer transmitir. É a poesia, a provocação, o exagero necessário para que uma ideia seja tangibilizada e uma tendência compreendida. Segundo, a aplicação, ou seja, as peças que de fato chegarão às lojas, adaptadas para a vida real, a produção real, corpos reais e orçamentos reais.
Pense na diferença entre um carro-conceito, anunciado nas feiras de automóveis, com portas em formatos inusitados e painéis holográficos, e o modelo que você vê nas concessionárias alguns anos depois. Esse protótipo conceitual não precisa ser viável: ele precisa comunicar uma direção, mostrar o ponto ao qual a empresa pretende chegar, experimentar com formas, tecnologias e materiais e, de alguma maneira, acender a imaginação das pessoas. As roupas de desfile também funcionam assim: são manifestos.
Isso não significa que o conceito seja mentira ou enganação. Pelo contrário. O conceito define o território de marca, estabelece um norte criativo, aponta tendências e cria desejo. Mas, entre a passarela e a arara da loja, existe um trabalho de tradução: pegar aquela energia, aquele espírito, aquela ousadia e transformar em algo que funcione no dia a dia das pessoas. A modelagem muda, os tecidos ficam mais acessíveis e as cores se adaptam. Mas a essência, o espírito, permanece.
É importante que quem trabalha com design de experiências incorpore essa dinâmica. Nem tudo o que você imagina no seu protótipo mais ousado vai funcionar na versão final do projeto. Mas isso não torna o protótipo inútil – ele é o que permite que você, sua equipe e o cliente enxerguem possibilidades, testem limites e encontrem a versão real, ideal ou possível. O conceito puxa a realidade para frente.
O que fica quando a roupa sai de moda
Aqui está o que os desfiles ensinam melhor que qualquer manual: experiências memoráveis não acontecem por acaso. Elas são desenhadas, ensaiadas e testadas. Cada detalhe, do convite à iluminação, da trilha sonora ao posicionamento das cadeiras, é uma decisão consciente, absolutamente intencional, a serviço de uma narrativa maior.
Mas, ao mesmo tempo, as melhores experiências deixam espaço para o inesperado. O desfile da Lacoste demorou para começar: a atmosfera criada foi tão incrível e certeira que as celebridades circulavam, conversavam, riam e se cumprimentavam, mas não queriam se sentar.
Isso não estava no roteiro. Mas aconteceu porque o ambiente desenhado permitiu que as pessoas se comportassem de forma mais humana e mais genuína. A experiência era forte o suficiente para que as pessoas fizessem dela o que quisessem e, ainda assim, tudo permanecesse coerente.
É essa a tensão que todo designer de experiências precisa equilibrar: controle e espontaneidade. Você se apoia no contexto, define o território, cria as condições e faz a mágica. Mas depois precisa confiar que as pessoas vão habitar aquele espaço do jeito delas. Isso significa que deu certo. E é exatamente isso que torna a experiência extraordinária.