Venue power: o que acontece quando a experiência contamina o entorno?
Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação
Ampliar a experiência é reimaginar onde ela começa e termina
Por muito tempo, eventos foram pensados como “acontecimentos” isolados: algo com hora marcada, local definido, roteiro fechado e um palco no centro. Mas, num mundo em que as pessoas se movem por significados (e não apenas por grades de programação), é hora de admitir: não é só o que se vive que importa, é também onde e como se vive.
Um espaço sempre carrega códigos: ele diz como se comportar, como se mover e como se sentir. Ele pode, por exemplo, provocar encantamento ou medo, induzir à troca ou ao silêncio. Já falei um pouco sobre isso em artigo do ano passado, mas por um outro prisma.
Agora, a Agência Nuts mapeou com mais maturidade esse conceito no relatório Nuts Tips, sob o nome de venue power: a ideia de que o espaço é um agente ativo na experiência. É um elemento logístico, sim, mas também uma estrutura simbólica e sensível que molda o que as pessoas sentem, pensam e retêm.
Às vezes, aliás, um endereço específico não dá conta de toda a complexidade que queremos comunicar.
O que acontece quando a experiência se expande a ponto de ativar a cidade, atravessar contextos e se contaminar com o entorno? Um projeto de live marketing necessariamente precisa se limitar a uma programação concentrada?
Isso também é o que o venue power nos convida a imaginar: uma vivência menos centralizada e mais porosa, que transforma o intervalo, o deslocamento e o encontro casual em parte da experiência.
Quando isso acontece, o que fica na memória não é só o conteúdo em si, mas também a caminhada entre dois lugares, o café da esquina ou o bar onde o papo continua depois. Tudo isso entra na contabilidade emocional do que se leva.
Mas vamos tentar tangibilizar essa ideia.
SxSW Londres: a cidade como palco plural
Em vez de ocupar um único centro de convenções, a primeira edição do SxSW Londres se distribuiu por 34 venues no bairro de Shoreditch – um território híbrido, artístico, cheio de fricções e vitalidade urbana.
As experiências estavam espalhadas na geografia da cidade, em clubes de jazz, cinemas independentes, praças, galerias e ruas. Para acessar o conteúdo, o público precisava caminhar, observar, se perder e se reconectar. E isso muda tudo.
Caminhar entre experiências cria oxigênio cognitivo, desafia rotinas mentais e convida à conexão com o entorno. O trajeto vira parte da experiência.
Eu diria que, mais do que ocupar a cidade, o SxSW fez de Londres o próprio festival.
Por sinal, a edição de 2026 do SxSW Austin também anunciou que adotará uma lógica mais descentralizada. Com a reforma do centro de convenções, o festival deixará de ter uma sede única e passará a ocupar diferentes bairros e zonas criativas do centro de Austin, formando “vilas” temáticas conectadas por roteiros urbanos e experiências multissensoriais.
Desenhar a partir do espaço
Esse mesmo princípio está na base do Festival Internacional de Cultura de Aprendizagem From Control to Culture, ou simplesmente CTRL > CLTR, criado pela Nuts em parceria com a nōvi. Em 2024, pela primeira vez, os participantes da modalidade presencial puderam explorar eixos temáticos em diferentes espaços de São Paulo: Pinacoteca, Japan House e Bar dos Arcos.
Em 2025, levamos a ideia adiante e a ampliamos. As experiências se espalharam por estúdios de design na Barra Funda, novamente pela Pinacoteca, além de um tour para enxergar as ruas do centro da cidade com novos olhos.
Isso tem a ver com criar choques de contexto, esticar o tempo entre os estímulos e deixar que a própria geografia provoque e desconcerte. Afinal, tem ideia que só nasce no atrito e insight que só se completa na caminhada.
Em meio a tudo isso, uma coisa bem importante acontece: o público deixa de ser plateia e vira navegante.
Pensar em venue power é abandonar a ideia do “melhor espaço” simplesmente como aquele que comporta mais gente, tem o melhor ar-condicionado ou qualquer outra característica exclusivamente funcional. É começar a perguntar:
- O que esse espaço diz, mesmo antes de começarmos?
- Que tipo de comportamento ele convida a ter ou inibe?
- Como o público se sente ao entrar aqui, ao estar aqui?
Ao descentralizar a experiência, ganhamos fricção e contexto. Em vez de consumir 15 palestras dentro da mesma sala, você cruza a rua, sente a cidade e interage com o aleatório. O espaço entre as experiências vira parte da experiência.
Quando a experiência é pensada a partir do espaço, tudo muda: o ritmo, o gesto, o afeto e a retenção. Talvez o melhor conteúdo do seu próximo projeto não esteja no palco, mas do lado de fora da porta.