Do espaço à ecologia de experiências: como a Expo Mundial 2025 desafia os formatos convencionais
Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação
E se a ideia de evento e brand experience como conhecemos – linear e controlada – estiver simplesmente com prazo de validade vencido?
Pra mim, essa é uma das grandes provocações que a Expo Mundial 2025, em Osaka, no Japão, traz. Ela sugere, sutil e silenciosamente, que talvez o que chamamos de experiência hoje seja só entretenimento com roteiro fixo. Menos encontros e conexão, mais performance.
Desde 1851, as Expos Mundiais são vitrines globais de inovação, cultura e futuro. Foram elas que apresentaram ao mundo o telefone, a Torre Eiffel, a televisão, o touchscreen. Cada edição tenta responder à seguinte pergunta: como queremos viver juntos? A de 2025 carrega o tema “Designing future society for our lives” – um título que, por mais ambicioso que possa parecer, não se propõe a mostrar soluções prontas.
É aqui que a lógica tradicional começa a ruir. A Expo de Osaka não é só um grande show de tecnologia. Ela é, na prática, um ensaio generalizado sobre como o espaço, o tempo e o corpo podem se reconectar. O visitante deixa de apenas “ver coisas novas” e passa a ser parte do que acontece.

Bronfenbrenner já desenhava experiências (ele só não chamava assim)
Quando falamos de ecologia de experiências, estamos falando de algo que a psicologia do desenvolvimento percebeu antes do design: nada existe no vazio.
Nos anos 1970, o psicólogo Urie Bronfenbrenner rompeu com o paradigma de observar pessoas, especialmente crianças, em ambientes controlados e laboratoriais. Seu ponto era radical (e, à época, quase subversivo): ser humano é ser contexto.
Em The Ecology of Human Development (1979), Bronfenbrenner formula o modelo PPCT – Processo, Pessoa, Contexto e Tempo – para explicar que o desenvolvimento não acontece dentro das pessoas, mas entre pessoas e seus ambientes. Ele descreve um sistema no qual tudo está em relação: quem somos, onde estamos, como interagimos e como tudo isso se transforma no tempo.
Agora troque “desenvolvimento humano” por “experiência” e perceba o encaixe. Osaka é praticamente uma encenação viva do modelo de Bronfenbrenner. Cada visitante (Pessoa) entra em contato com instalações sensíveis, interfaces responsivas e tecnologias adaptativas (Processo), mergulhado em espaços projetados para interagir, afetar e ser afetado (Contexto), num fluxo que se estende no Tempo – tanto no ritmo da própria visita quanto no que reverbera depois, na cidade e em quem passou por lá.
E isso não é apenas impressão, pois o próprio mascote da Expo, a simpática criatura Myaku-Myaku (o que flui continuamente, ininterruptamente), tem a cabeça feita de células, que se dividem e se multiplicam, e o corpo feito de água pura, podendo adquirir qualquer forma. Ele representa, assim, a sabedoria e a cultura que são transmitidas de geração em geração, as transformações pelas quais a humanidade passa rumo ao futuro, e o próprio pulso da vida. Poesia pura.

Fechados esses parênteses, vamos ao que importa: o que essa edição da Expo Mundial está dizendo (e fazendo) que aponta para o fim da lógica tradicional de eventos, festivais e live marketing? E o que indica o nascimento de uma ecologia de experiências?
O espaço como agente vivo e relacional
Na maioria dos eventos, o espaço é palco. Em Osaka, o espaço é personagem. No Osaka Healthcare Pavilion, você entra em um casulo que lê seus dados vitais, calcula seu futuro biológico e cria um avatar seu em 2050. A experiência evolui conforme você evolui. Não tem tanto a ver com estar “em” um lugar, mas com ser alterado por ele.
Esse tipo de design abandona a neutralidade arquitetônica e assume que os espaços se relacionam com a gente.

Experiências que cuidam
A Expo não quer (só) te entreter. Quer te acalmar, te nutrir, te regenerar. Veja a Future Human Washing Machine, por exemplo. Parece brincadeira, mas não é: uma cápsula que limpa seu corpo com sensores e, ao mesmo tempo, projeta imagens que regulam seu humor com base no batimento cardíaco.
Uma crítica e tanto à cultura da performance e à sociedade do cansaço. E se a próxima fronteira do design for o descanso? E se o futuro não for “uau”, mas um suspiro profundo depois de anos em alerta?

Tecnologia como infraestrutura sensível e invisível
Quem espera hologramas em cada canto vai se decepcionar. A tecnologia em Osaka não vai tanto por esse caminho. Você anda de ônibus autônomo que se recarrega enquanto se move, paga com carteira digital sem nem perceber e se comunica em outros idiomas com a maior naturalidade do mundo (mesmo sem dominá-los).
Não é muito sobre “ostentar” tecnologia, mas sobre vivê-la quase sem se dar conta, como parte orgânica da experiência. A revolução aqui está em deixar a tecnologia sumir para permitir que a experiência apareça.

Ecossistemas distribuídos e ativação territorial
Se você acha que a Expo acontece só na ilha artificial de Yumeshima, precisa olhar de novo. A experiência abraça toda a cidade. Está no metrô. Nos festivais locais que se conectam à programação, como o Tohoku Kizuna Festival. Está no projeto urbanístico de Osaka, nos novos hotéis, mercados e parques que surgem como extensão da exposição.

Tradição como tecnologia de futuro
Num momento em que o futuro é sinônimo de IA generativa, nanotecnologia, robótica e computação quântica, a Expo de Osaka aposta em… madeira. Sim, madeira!
O Grand Ring, maior estrutura de madeira do mundo, é quase um tributo à carpintaria tradicional japonesa. É possível sentir o cheiro, o toque e até o tempo. O mesmo se aplica ao pavilhão da Indonésia, que combina rituais tribais com interfaces digitais. Não há contradição entre passado e futuro: há fusão.
Tradição aqui não é nostalgia. É infraestrutura ética.



E se o fim do evento for o começo da experiência?
A Expo Mundial se organiza menos em torno de atrações e mais em torno de estados (de presença e consciência). Ela não quer só te mostrar o que está acontecendo: quer ativar em você um outro modo de estar no mundo.
E isso me faz pensar:
- E se projetarmos, em vez de eventos, ecossistemas de experiências?
- E se as experiências deixassem de ser meros resultados de um planejamento e passassem a ser construídas pelas relações?
- E se possibilitarmos que as pessoas sejam mais do que simples convidadas, que sejam as protagonistas a atribuir o próprio sentido das experiências?
Osaka não nos dá todas as respostas, claro. Mas tem coragem de fazer as perguntas certas, e de forma muito sofisticada.
Isso já é bastante coisa.