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Da vulnerabilidade à inovação: o papel do risco no Design de Experiências

Escrito por
Rafael Nascimento de Carvalho | Content Manager

Este mês, em não mais de 5 sentadas, terminei a leitura do ótimo “Designing Transformative Experiences: A Toolkit for Leaders, Trainers, Teachers, and other Experience Designers”, um livro denso e repleto de ferramentas escrito pelo Dr. Brad McLain, pesquisador da Universidade do Colorado cuja atuação como designer de experiências passa pela NASA e pela ONG de Jane Goodall.

Os capítulos dedicados ao tema do RISCO foram os que mais chamaram minha atenção, e impulsionaram a pergunta que inspira esse artigo: como o risco pode impulsionar a transformação dos participantes em uma experiência?

Se pararmos para refletir, poucas experiências que vivemos acabam sendo verdadeiramente transformadoras — não é toda hora que algo nos faz repensar limites, desafiar velhas crenças ou até mesmo reinventar nossa identidade.

Essas experiências de transformações mais profundas costumam ocorrer justamente quando ousamos sair da nossa zona de conforto. Pode parecer estranho, mas o risco/desconforto, frequentemente visto como algo a ser evitado, pode ser implementado de maneira muito estratégica em eventos corporativos.

O risco como catalisador de mudanças

Uma experiência transformadora é um convite para explorar novas dimensões de nós mesmos. Quando nos deparamos com desafios inesperados, algo dentro de nós desperta. E ao aceitar esses desafios que nos tiram da zona de conforto habitual, despertamos nossa capacidade de adaptação e inovação.

É nesse embalo que a transformação acontece: ao enfrentarmos situações que nos tiram da segurança do conhecido, temos a chance de expandir nossas capacidades. Assim, o risco impulsiona o crescimento pessoal, a aprendizagem e o desenvolvimento de novas habilidades.

O risco é o que impulsiona a mudança. Essa abertura para o desconhecido não só estimula o aprendizado, mas também nos força a questionar nossos limites e a reimaginar o que acreditávamos ser possível. Encarar o risco significa, essencialmente, abraçar a vulnerabilidade — aquela disposição de se expor, de correr a chance de errar e de aprender com os próprios tropeços. Enquanto sem risco, muitas vezes permanecemos presos a um ciclo de segurança que nos mantém estagnados e mata nossa criatividade e capacidade de inovar.

Mas como implementar o risco de maneira estratégica nos eventos corporativos?

Como em todo processo de Design de Experiência, o primeiro passo é buscar ganhar um conhecimento mais profundo sobre o seu público. Para quem você está desenhando a experiência e qual a relação dessas pessoas com risco?

Para fazer essa investigação, é necessário entender que o risco se manifesta de várias formas:

  • Risco Físico: Desafios que envolvem o corpo e as sensações, estimulando nossa percepção física e nossa capacidade de superar limites. Pode ser a adrenalina de uma aventura ou o desafio de testar novas habilidades motoras.
  • Risco Emocional: Colocar o coração em jogo, enfrentar o medo de se machucar ou ser rejeitado, e permitir que sentimentos profundos sejam vividos com intensidade. Esse tipo de risco nos convida a sermos mais autênticos e a construir relações mais verdadeiras.
  • Risco Intelectual: Lançar mão da criatividade para resolver problemas, questionar ideias pré-estabelecidas e buscar soluções inovadoras. Enfrentar desafios mentais é fundamental para o crescimento e para a ampliação do nosso repertório de conhecimentos.
  • Risco Social: Navegar pelas complexas relações humanas, arriscar-se a ser vulnerável em público ou a assumir papéis que desafiam nossa imagem social. Esse tipo de risco abre caminhos para novas conexões e para o fortalecimento do nosso senso de pertencimento.

Da mesma forma, as pessoas têm percepções distintas sobre o que é de fato mais arriscado, e o que é seguro. Isso não tem tanto a ver com o risco real que a atividade oferece, mas com o risco percebido – que é inversamente proporcional ao nosso senso de agência, ou seja, nossa sensação consciente de que estamos “no controle”.

Se algo é de baixo risco para nós, temos um alto senso de agência de que somos capazes de lidar com o que quer que seja.Agora, quando começarmos a entrar em áreas em que nosso senso de agência é baixo, em que sentimos que não estamos no controle, aí sim percebemos algo como arriscado. Falar em público, por exemplo, pode ser percebido como baixo risco para certo perfil de público, e como um risco alto para outros.

Convites para o risco

Temos que lembrar que não vivemos em uma cultura que lida super bem com o risco. Na maior parte das empresas, as pessoas não são celebradas por terem se arriscado – a não ser, claro, que tudo tenha sido um grande sucesso. As organizações não lidam muito bem com falhas, e gastam muito dinheiro buscando mitigar riscos sempre que possível.

Assim, é necessário pensar em como fazer um convite ao risco – não se trata aqui de um convite literal, mas de uma preocupação que deve permear todo o seu processo de design, desde a concepção das atividades até a comunicação pré, durante e pós-evento.

Cabe ao designer de experiências criar um contexto em que as pessoas se sintam seguras e inspiradas a se arriscar — de forma consciente, com consentimento. Algumas dicas de como construir isso:

  • Tom de toda comunicação: Pode contribuir bastante na percepção de que o evento é um espaço seguro para arriscar, que a vulnerabilidade será acolhida. Reforce a ideia de que expor-se e correr riscos não é sinônimo de fraqueza, mas sim de coragem. Isso envolve o que é falado antes, durante e após o evento – nos e-mails, no palco, no boca a boca da empresa.
  • Opções e escolhas: Desenhe a experiência de forma a permitir que cada pessoa decida por si mesma se deseja assumir um determinado risco, e como. Convide os participantes a escolher entre diferentes caminhos, valorizando sua autonomia de cada um e reconhecendo que “se arriscar” é uma decisão intrinsecamente pessoal.
  • Níveis de risco escalonados: Comece a programação com desafios menos intensos e aumente gradativamente a dificuldade. Use atividades pré-evento para preparar o terreno para riscos maiores, ajudando cada participante a desenvolver coragem e resiliência.

Na prática: Oficinas da Coragem e “Fuck Up Nights”

Transformar-se é um ato de coragem, certo? E foi exatamente esse o tema de uma Convenção Nacional que realizamos, na Agência Nuts, para a alta liderança de uma grande varejista brasileira. Para implementar o risco no desenho dessa experiência, criamos em parceria com o Instituto Amuta as Oficinas da Coragem: workshops bastante práticos em que os participantes podiam escolher participar de momentos de escrita vulnerável (risco emocional, risco social), tirolesa e atividades de aventura (risco físico, risco social) e dança contemporânea (risco físico, risco emocional, risco social).

Da mesma forma, promovemos um momento de compartilhamento de falhas inspirado no projeto “Fuck Up Nights”, em que os participantes celebraram de forma voluntária e aberta erros cometidos e projetos que deram errado – para construir um espaço de vulnerabilidade em que todos se sentissem seguros para contar suas histórias, trabalhamos o tema em palestras realizadas antes da atividade e iniciamos com alguns diretores contando seus erros. Funcionou tão bem que repetimos a dose nas demais fases da Convenção, e a atividade obteve um dos maiores NPS do evento.

Se você também quer repensar a sua relação com o risco e como implementá-lo em convenções, summits, retiros e workshops, converse com a gente.