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Gamificação além de pontos e badges: como estruturar experiências que realmente envolvem

Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação

Em um mundo saturado, a dinâmica do jogo pode ser a chave para capturar e manter a atenção do público

As pessoas se lembram de uma experiência quando ela tem um significado, quando ela proporciona uma boa maneira de usar o tempo. Por isso, o grande desafio do design de experiências é proporcionar o envolvimento das pessoas nesse processo de produção, circulação e negociação de sentidos.

Mas, num mundo saturado de informações, estímulos e pressão por performance, o simples fato de obter a atenção das pessoas para que se engajem nessa troca já é um obstáculo. Estamos desencantados.

Existe até um termo específico para isso: “blasé”, que descreve alguém dessensibilizado, apático, indiferente ao que o cerca. O conceito surgiu com o adensamento das cidades, pois para lidar com a sobrecarga sensorial da vida urbana, nosso cérebro desenvolveu filtros que resultaram nessa postura de distanciamento. Esse fenômeno, identificado pelo sociólogo Georg Simmel no início do século 20, se tornou ainda mais relevante na era digital, em que a hiperexposição a conteúdos e interações parece nos anestesiar ainda mais.

Temos que lidar com muitos estímulos novos: redes sociais, notificações onipresentes, streaming de conteúdo infinito, realidade aumentada, IAs invadindo todas as reuniões e por aí vai. Nossa capacidade de filtrar e processar esses estímulos evoluiu, mas também nos tornamos mais resistentes a experiências que não nos parecem imediatamente relevantes ou cativantes. Ficamos mais seletivos. E mais impermeáveis.

Uma das propostas do design de experiência é agir intencionalmente — e estrategicamente — para furar essa bolha e alcançar o que existe de sensível nas pessoas. Num cenário em que a atenção é um recurso escasso e, portanto, valioso, precisamos encontrar formas de atravessar as camadas de proteção que todos nós desenvolvemos contra o excesso de estímulos e criar conexões genuínas.

Mas como?


O jogo

Sempre penso nas estratégias que podem nos ajudar a superar a apatia. A missão é vencer o blasé. E a experiência me mostrou claramente que uma das chaves está em resgatar o lúdico nas pessoas, pois ele tem o poder de quebrar barreiras, criar engajamento emocional e estabelecer conexões memoráveis que vão além da superficialidade do cotidiano digital.

A gamificação como estratégia de engajamento entrou no radar do mercado há bastante tempo, mas ainda há muito o que avançar. Penso que a visão simplista da gamificação como mera adição de pontuação a uma experiência, como forma de estimular a competitividade, tem atrapalhado a realização do seu verdadeiro potencial.

Uma abordagem mais profunda e complexa considera não apenas os elementos mecânicos dos jogos, mas também seus aspectos psicológicos, emocionais e sociais.


O que diz a ciência

Segundo Yu-kai Chou, no livro Actionable Gamification: Beyond Points, Badges and Leaderboards (2015), existem oito drives fundamentais que motivam as pessoas em experiências gamificadas, chamados de “Octalysis Framework”:

  1. Significado épico e chamado
  2. Desenvolvimento e realização
  3. Empoderamento da criatividade
  4. Propriedade e posse
  5. Influência social e relacionamento
  6. Escassez e impaciência
  7. Imprevisibilidade e curiosidade
  8. Perda e prevenção

Precisamos, assim, criar uma narrativa alegórica envolvente que conecte os participantes a um propósito maior. Isso implica acrescentar camadas de sentido que permitam a cada pessoa sentir que suas ações têm significado e impacto real naquele contexto.

Quanto às técnicas específicas para manter o interesse, Chou apresenta o conceito de “Discovery Framework”, em que a experiência gamificada é estruturada como uma jornada de descobertas contínuas:

  • Descoberta: participantes devem sempre ter algo novo para desvendar
  • Onboarding: acréscimo gradual de complexidade
  • Alavancagem: suporte adequado para permitir a progressão sem desestimular
  • Endgame: conteúdo especial para manter engajamento

Ele destaca ainda que os sinais mais claros de uma experiência gamificada bem-sucedida aparecem quando os participantes começam a formar conexões espontâneas e compartilhar suas experiências voluntariamente. Isso acontece porque a gamificação efetiva cria um ambiente de segurança psicológica em que as pessoas se sentem confiantes o suficiente para explorar, errar e crescer juntas. E isso destrava muitos processos organizacionais.


Armadilhas

Um dos labirintos mais complexos da gamificação é criar desafios motivadores sem gerar competição destrutiva. O autor propõe focar no que chama de “White Hat Gamification” — uma abordagem que prioriza motivadores positivos, como significado, realização e empoderamento.

Dessa maneira, em vez de criar situações em que o sucesso de um significa a derrota do outro, podemos desenvolver sistemas em que o progresso individual contribui para objetivos coletivos. É mais colaborativo, é mais saudável, é mais eficiente e é mais adequado para a maioria dos objetivos estratégicos num contexto mais atual de gestão.

O sucesso da gamificação depende de encontrar o equilíbrio certo para cada contexto. Em algumas culturas organizacionais, por exemplo, o senso de significado épico será mais importante; em outras, a influência social terá mais peso.

É essa sensibilidade estratégica que também vai nos ajudar a regular o “Balanço Fantasia x Realidade” que a história vai propor, pois lúdico não é sinônimo de ficção. Não é obrigatório ambientar nossa experiência em Marte ou na Idade Média para zerar os 8 itens do Octalysis Framework.

Esse ponto de equilíbrio é apenas um dos muitos recursos que temos para ajudar a montar nosso quebra-cabeças e, sendo assim, é importante reforçar que um jogo num contexto de design de experiências pode perfeitamente ser ambientado na sua própria empresa, na data de hoje e abordando seus desafios reais de colaboração, ownership, desempenho, produto, posicionamento ou marca.

Enfim, num mundo onde o olhar blasé se tornou um mecanismo de defesa e o desencantamento foi normalizado, experiências que tocam o que há de mais humano em nós — a busca por significado, o desejo de crescimento, o anseio por uma conclusão e a necessidade de conexão — ajudam a romper a barreira da indiferença e são capazes de resgatar a atenção, o fascínio e a beleza que essa vida hiperestimulante tenta a todo custo nos roubar.