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A tecnologia deve ampliar nossa individualidade, não limitá-la

Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação

Por experiências menos pasteurizadas e mais personalizadas, que reflitam quem de fato somos


Vivi a maior parte da infância nos anos 1980, uma década que me permitiu testemunhar uma das maiores revoluções tecnológicas da história.

Desde os primeiros walkmans, que nos deixavam criar nossas próprias playlists em fitas cassete, até os smartphones, que parecem adivinhar nossos desejos, a promessa sempre foi a mesma: criar experiências cada vez mais pessoais e significativas.

A internet amplificou essas possibilidades. De repente, podíamos encontrar pessoas com interesses similares aos nossos, por mais específicos que fossem. Customizar a interface do nosso computador. Escolher exatamente qual música queríamos ouvir – e quando –, em vez de ficar esperando tocar no rádio.

Mas parece que, em algum momento, perdemos o rumo. A personalização se transformou em algo superficial. Começamos a receber produtos padronizados com apenas uma fina camada de customização.

Assistimos aos mesmos vídeos recomendados, ouvimos as mesmas músicas, recebemos as mesmas notificações genéricas em nossos aparelhos.

Em uma era de “experiências personalizadas”, por que nos sentimos cada vez mais parte de uma massa uniforme, como nos primórdios da publicidade, no início do século passado? Como, afinal, a tecnologia pode ampliar nossa individualidade, em vez de formatá-la?


Personalização radical

A tecnologia sempre prometeu revolucionar a forma como vivemos e trabalhamos, especialmente no que diz respeito à personalização de experiências. Embora muito dessa promessa tenha se diluído em algoritmos previsíveis e experiências pasteurizadas, ainda existem faíscas de inovação que nos lembram do potencial transformador da personalização radical.

E é nessas faíscas que quero me concentrar aqui.

Quando olhamos para as tecnologias que realmente fazem diferença em nossas vidas, são justamente aquelas que nos devolvem o controle: ferramentas de criação que amplificam nossa capacidade de expressão, plataformas que nos permitem construir comunidades autênticas e sistemas que se adaptam genuinamente às nossas necessidades individuais, em vez de nos forçar a nos adaptar a eles.

No universo organizacional, por exemplo, a personalização tecnológica está redefinindo a forma como empresas se relacionam com seus diversos públicos. Em eventos corporativos de grande porte, a tecnologia torna possível a criação de “microeventos” personalizados, com programações individualizadas.

O Festival DataLab é um caso concreto.

No evento, produzido pela Nuts para a Globo por dois anos seguidos, os participantes respondiam a um questionário durante o cadastro na plataforma. Com base nas respostas, eram classificados em uma das quatro personas (newbie, geek, gamer ou ninja), recebendo conteúdos e recomendações específicas para seu perfil.

A plataforma do festival permitia que cada pessoa gerenciasse sua agenda entre 50 ações híbridas, incluindo estudos de caso, workshops, palestras e até um escape game.

Além disso, o sistema de “Pedidos & Ofertas” funcionava como um marketplace de conhecimento: os participantes podiam solicitar conteúdos não cobertos na programação e oferecer seus próprios conhecimentos para compartilhar, gerando matches entre pessoas com interesses complementares.

O evento contou com mais de 2 mil participantes e obteve nota de satisfação de 9,7. Ah, e de quebra rendeu o primeiro Prêmio Caio para a Nuts. 😉


Home da plataforma do Festival DataLab

O Encontro de Líderes Seara Base Vegetal também teve um exemplo de customização inteligente e inovadora. Conduzimos a famosa dinâmica “Matéria de Capa” ou “Revista do Futuro”, em que os participantes projetam futuros desejáveis e compartilham nuances dos seus complexos insights com leveza.

A dinâmica é usualmente feita com papel e caneta, mas a Nuts projetou um sistema de Inteligências Artificiais combinadas para dar vida às ideias dos convidados: os participantes escolhiam uma revista de uma lista que tinha Veja, Exame, Forbes, Time e The Economist, e inseriam o texto da sua manchete de capa do futuro desejado numa interface web por meio de palavras-chave que, em seguida, eram capturadas por uma IA generativa de texto e alteravam o teor de um prompt previamente criado.

Este prompt, agora customizado com as ideias recém-criadas, acionava outra IA generativa, dessa vez de imagens, que criava capas de revistas com as manchetes do futuro. É a tecnologia e a customização transformando um simples exercício de foresighting num momento muito vivo, realista, engajador e totalmente individual. Nada é mais personalizado do que uma experiência que permite a expressão das próprias ideias.


Interface do usuário do sistema desenvolvido pela Nuts para a Seara

O futuro da personalização

O poder da personalização está na sua capacidade de criar conexões emocionais profundas. Quando cada detalhe do ambiente responde às nossas preferências individuais, a experiência pode se tornar memorável e significativa.

É claro que toda essa personalização traz desafios. Precisamos garantir que a tecnologia amplie nossas escolhas em vez de nos limitar a bolhas algorítmicas. Que proteja nossa privacidade enquanto nos oferece conveniência. Que mantenha espaço para a serendipidade – aquelas descobertas maravilhosas e não planejadas que enriquecem nossas vidas, o famoso “encontrar o que não se está procurando”.

A verdadeira personalização tecnológica deve nos empoderar, não nos controlar. Deve expandir nossos horizontes, e não o contrário.

Quando bem implementada, a tecnologia pode criar experiências que refletem quem de fato somos, respeitando nossa individualidade enquanto nos conecta com o mundo de maneiras significativas.

O futuro promete experiências ainda mais adaptadas às nossas necessidades, desejos e expectativas individuais. A chave é garantir que essa evolução sirva para enriquecer a experiência humana, tornando-a mais autêntica para cada um de nós.