O que são Jornadas de Aprendizagem e qual a vantagem delas em relação aos eventos?

Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação

Eventos sempre fizeram parte do planejamento das empresas. A presença, a celebração, a troca, o ritual, a simbologia, a reunião de pessoas em si, são todas coisas muito poderosas. Seja para fortalecer laços, criar identidade de grupo, estreitar relações com clientes, lançar um produto, serviço ou conceito, alinhar e discutir expectativas, metas e estratégias ou promover o desenvolvimento e a aprendizagem, um evento é sempre uma experiência especial.

Mas quando se pensa em um evento, o próprio termo remete a um conceito que tem, a princípio, pouco a ver com aprendizagem. “Evento” lembra um acontecimento isolado, linear, estanque, efêmero, com começo e fim. Já o aprendizado é um processo contínuo, caórdico, duradouro, que recomeça sem parar e nunca tem fim.

Desde muito antes da pandemia, a gente aqui na Nuts vem buscando resolver essa equação, reinventando junto a nossos clientes corporativos os eventos tradicionais e os transformando em jornadas de aprendizagem. Com essa mudança de perspectiva, várias novas camadas se sobrepõem para compor uma maneira diferente de se enxergar as experiências dos eventos e sua relação com a aprendizagem, com a cultura organizacional e com a estratégia do negócio como um todo.

Mas o que é uma Jornada de Aprendizagem, afinal?

Numa frase, trata-se de diluir a potência de um evento pontual em vários encontros menores. Simples assim. Mas é quando vamos adicionando as camadas de análise que o conceito começa a ficar interessante.

Primeiro, reparem que eu usei dois termos distintos: um “evento” diluído em vários “encontros”. Isso porque o que eu estou chamando de “evento” é o que você está pensando mesmo: um acontecimento pontual, que começa com um save the date, passa por uma experiência compactada que dura de 1 hora a vários dias, e termina com uma pesquisa de satisfação.

Agora, “encontro” é outra coisa. É convergência, é descoberta, é tudo o que pudermos criar juntos. Encontro é um touchpoint: pode variar desde um email até um outro evento inteiro, e no meio disso temos workshops, design sprints, newsletters, benefícios para os early birds, desafios gamificados, entrega de kits em casa, podcasts, vídeo-teasers dos speakers, artigos, curadoria de conteúdos, assessments, dinâmicas, objetos de microlearning, minicursos e trilhas, criação de comunidade e estímulo ao social learning… Enfim, o que a imaginação e o budget permitirem.

Além disso, o encontro tem a beleza da presença, mesmo que virtual, de exercer seu protagonismo ao consumir um conteúdo, interagir numa conversa, discutir um conceito ou criar uma conexão que você deseja, que faça sentido, que tenha significado.

Então, transformar um evento numa jornada pressupõe potencializar os touchpoints já tradicionais e criar outros, com metodologias diversas – antes, durante e depois do evento. Isso amplia em muito a possibilidade de atingir os objetivos estratégicos do projeto.

A especificação “de aprendizagem” que gostamos de usar para nossa proposta de jornadas é uma questão transversal: “jornada” é a forma, a estrutura, o framework, enquanto “aprendizagem” é a lente através da qual enxergamos o conceito do projeto e seus objetivos, o que vai ajudar a definir metodologias, conteúdos, nexos e fluxos que serão criados. Nem toda jornada precisa ser de aprendizagem, mas qualquer evento pode ser transformado numa jornada de aprendizagem.

Transformar um evento numa jornada pressupõe potencializar os touchpoints já tradicionais e criar outros, com metodologias diversas – antes, durante e depois do evento.

Um evento não pode ser uma ilha

Eventos fazem parte da estratégia de comunicação, marketing, RP e recursos humanos da maioria das empresas. Muitas usam a produção de eventos próprios ou a participação em eventos de terceiros de maneira efetivamente integrada: o evento é, nesse caso, uma tática específica e pontual, com um objetivo claro, exclusivo e mensurável, como num lançamento de produto ou numa apresentação à imprensa. A participação da marca em uma feira, por exemplo, pode ter como objetivos awareness, networking e geração de leads. Mas isso claramente faz parte de uma estratégia maior, da qual o evento é uma parte; um processo que estava se desenvolvendo teve no evento um ponto culminante e colhe seus frutos depois. Assim, pode-se esperar pontualmente do evento exatamente aquilo que ele tem potencial de entregar, pode-se mensurar resultados com clareza, pois ele é uma tática complementar dentre tantas outras levadas a cabo durante o ano todo.

Mas quando falamos do desenvolvimento de pessoas, do engajamento a um alinhamento estratégico mais abrangente, dos reforços ritualísticos de uma cultura, de identificação e pertencimento a uma comunidade e de aprendizagem num sentido amplo, ou seja, de objetivos menos mercadológicos e mais humanos, a entrega de uma experiência precisa focar muito mais na consistência, na coerência e na continuidade de uma narrativa. E um evento isolado não dá conta disso sozinho.

O evento isolado entrega uma carga muito forte de energia e conteúdo ao time, mas uma experiência assim pode ser mais alienante do que engajadora – principalmente quando é feita de maneira pontual, abrupta, sem continuidade, sem desenvolver e preparar os canais adequados para essa energia permear a organização posteriormente, para esse conteúdo se transformar efetivamente em aprendizado que se traduz em melhoria de desempenho e em resultados.

O formato de Jornada de Aprendizagem entrega justamente essa continuidade, propondo engajamento autêntico desde o início e para além do final, entregando a simbologia da narrativa e o objetivo de diversas formas. As pessoas têm autonomia de buscarem o conhecimento e a forma de apreendê-lo com a qual mais se identificam. E tudo isso distribuído no tempo, ampliando bastante os nossos pontos de contato, melhorando o fluxo da energia e o ritmo da comunidade. Nada de picos muito altos, nem de vales no meio, como diz a querida Mari Camardelli nesse ótimo artigo abaixo, em que ela conta o que aprendeu numa masterclass do Fabian Pfortmüller, fundador da Holstee. Os slides abaixo estão no artigo dela:

https://marianacamardelli.medium.com/sobre-nutrir-comunidades-e-realizar-encontros-online-o-que-aprendemos-com-fabian-pfortm%C3%BCller-bf5c32e4a120

O primeiro slide representa eventos que acontecem esporadicamente. Nessa lógica de um pico de energia e depois um grande vale sem acontecimentos. Imaginando uma convenção tradicional de empresa, esse vale é de 12 meses. Muita coisa, né?

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Este abaixo representa a ideia das jornadas: nutrir a comunidade, o grupo, encontro por encontro, construir constância e evolução permanentes por meio de vários touchpoints estrategicamente desenvolvidos.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Usuário no centro

Como em qualquer projeto, é essencial iniciar o planejamento de uma jornada de aprendizagem traçando seus objetivos, tendo clareza da sua estratégia na hora de defini-lo. Esse é o primeiro passo. 

Dando um passo adiante, é preciso ter muita disciplina para perseguir esse objetivo durante todo o processo e garantir que todas as entregas do projeto tenham o mesmo DNA, sejam representações autênticas desse objetivo, independente do formato que elas adquiram, pois a consistência é um requisito-chave para o sucesso de uma jornada de aprendizagem.

Mas o maior desafio está no terceiro passo: direcionar a gestão do projeto para as expectativas e padrões de preferência dos públicos envolvidos, das equipes, que devem estar no centro de todas as decisões. Esse cuidado, que em última análise é um verdadeiro exercício de empatia, é o que desencadeia o máximo potencial de uma jornada de aprendizagem, pois é aí que a autonomia e a autodireção do aprendizado aparecem como o combustível de um engajamento autêntico e transformador, seja individualmente, seja aproveitando a sintonia da inteligência coletiva.

Digital como potencializador

Na Nuts, defendemos a bandeira das jornadas de aprendizagem há bastante tempo, mas as experiências do último ano certamente trouxeram vários insights importantes e complementares, mostrando como as jornadas foram potencializadas pela explosão digital.

Primeiro, o mindset digital combina demais com o conceito de jornada. Ambos são mais fluidos e flexíveis. A não-linearidade digital permite justamente que uma jornada comporte a diversidade de comportamentos individuais simultaneamente, traduzidos no engajamento de uma plataforma, no jogo entre interações síncronas e assíncronas ou na força da aprendizagem social e da diversidade.

Além disso, o acesso aos dados ficou muito mais fácil, o que ajuda a entender com mais precisão nosso público para criar uma oferta de experiência cada vez mais customizada. Os dados gerados a partir de uma experiência também são levantados rapidamente, o que permite rever rotas muitas vezes em tempo real, aprender com os erros, reforçar os acertos e mensurar o atingimento de objetivos.

Em termos de investimento, ainda há alguns mitos no mercado, mas o virtual já sai na frente ao economizar em deslocamento, passagens, traslados, hospedagem e locação de salas de reunião ou centros de convenções. Por outro lado, entram players que antes não estavam na conta, como plataformas, interações digitais, estúdio, edição e streaming. Mas, no geral, uma jornada digital pode ser viabilizada com budget menor do que uma experiência presencial.

A não-linearidade digital permite justamente que uma jornada comporte a diversidade de comportamentos individuais simultaneamente, traduzidos no engajamento de uma plataforma, no jogo entre interações síncronas e assíncronas ou na força da aprendizagem social e da diversidade.

Um case para tangibilizar

Em 2020, criamos uma jornada de aprendizagem para a Lojas Renner S.A., chamada Re-Convenção. No início, teríamos um encontro de 3 ou 4 dias para os 130 líderes seniores da companhia, como acontecia todos os anos, com conteúdos e a interatividade das lives, mas ainda assim um evento pontual. Foi aí que sugerimos transformar esse projeto numa jornada e plugamos a novi, do nosso parceiro e amigo Conrado Schlochauer, que tinha desenvolvido pouco tempo antes a metodologia Learning Sprint®, junto com o Alex Bretas, baseada nos Design Sprints do Google.

Assim, aquele evento de poucos dias se transformou em 6 semanas de sprints de 2h cada com 11 grupos de 12 pessoas. A divisão em grupos menores traz a vantagem da proximidade entre as pessoas e uma maior possibilidade de participação e interação, o que incentiva muito o engajamento. Além disso, os participantes tinham autonomia para escolher o tema dos grupos dos quais preferiam participar, podendo trabalhar um assunto com o qual que tivessem mais afinidade ou interesse. O entregável de cada grupo era o MVP de uma iniciativa criada para endereçar uma questão real do ecossistema de moda e lifestyle da Renner, ou seja, no final, foram gerados 11 MVPs factíveis e replicáveis desenvolvidos ao longo de quase 2 meses pelos principais líderes da organização. 

O encontro entre todos, que chamamos de Peak Moment, se deu em um evento híbrido de apenas 2 dias (ante os 4 dias originais), em que em vez de simplesmente consumirem conteúdo expositivo na tela durante horas a fio, os participantes apresentaram o pitch dos seus MPVs para o grupo, que votou e escolheu o melhor em cada tema.

Essa jornada entregou autonomia, conexão, proximidade, interatividade, reflexão e protagonismo, autodireção do aprendizado, resolução de problemas surgidos da observação, cuja aplicabilidade factível era um pressuposto, tudo isso em um ambiente de segurança psicológica construído em conjunto. Ouça o que disse o Fabio A. Faccio, diretor-presidente da Lojas Renner

Como continuidade, os conteúdos trabalhados nessa jornada da Re-Convenção foram desdobrados e cascateados para toda a empresa em outras experiências, eventos e campanhas, terminando em março de 2021, quando criamos e conduzimos o Magia Challenge, outra jornada de aprendizagem, dessa vez gamificada, que vou contar com detalhes em outra ocasião. 

A perspectiva das jornadas abre novas possibilidades e dá mais espaço e liberdade para inovarmos nas entregas, sempre em busca de surpreender, engajar, transformar e, por que não, subverter.