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Uma abordagem humanista em eventos e design de experiências

Escrito por
Leandro Duarte | Sócio da Nuts • Designer de Experiências • Mestre em Comunicação

Existem inúmeras divisões de como se decupar as camadas da criação de um evento, todas conectadas, simultâneas, sobrepostas e em constante movimento.

Podemos pensar em termos meramente cronológicos, que é uma abordagem mais estrutural e generalista. Planejamento, conceito e design da experiência, comunicação, pré-produção, dimensionamento e orçamento, aprovações e contratações, produção, entrega, operação e pós-evento. Vou chamar essa tentativa de Abordagem Estruturalista.

Outro modelo é dividir as frentes de atuação com base nas funções das equipes envolvidas. Planejamento conceitual, redação, direção de arte, planejamento de conteúdo, aprendizagem, facilitação, produção de conteúdo (dinâmicas, materiais de job aid, vídeos, animações, PPTs), planejamento de produção, técnica (som, luz, vídeo, elétrica), tecnologia, financeiro, artístico (roteiro, MC, palestras, atrações), cenografia, ativações, logística, A&B, financeiro etc. Esta organização é mais transversal e customizada, pois as necessidades de equipe são diferentes em cada projeto, mas o formato, por ser complexo e detalhado, exige um gerente de projeto full time, recurso que também não cabe em todo projeto. Temos a Abordagem Funcionalista.

Certamente há muitas outras abordagens, dependendo da estratégia, da experiência e da estrutura de cada agência e de cada cliente. A maneira como eu enxergo a criação de experiências tem quatro pilares: corpo, alma, mente e coração.

É uma visão bem pragmática e consistente, que tem funcionado pelos últimos 14 anos, mas que só estou começando a sistematizar agora. Chamei de Abordagem Humanista, não apenas por causa das metáforas, mas porque para que seja efetivamente implementada o pressuposto é considerarmos as pessoas no centro da experiência.


CORAÇÃO

Sempre começo um projeto pelo coração, que é o motivo da existência do evento, a missão do projeto, seu propósito, seu objetivo. É apenas depois de compreender bem, refletir e introjetar esse conceito central que desvendamos o caminho e o planejamento decola.

O segredo desse propósito pode estar na etapa do relacionamento com um grupo de stakeholders, num direcionamento estratégico mais amplo da organização, numa oportunidade de mercado, num lançamento, comemoração, ou seja, são diversas as razões e motivações para se fazer um evento.

É preciso entender profundamente o momento do cliente, contextualizar o projeto de maneira ampla, adentrar as dimensões cultural, histórica e política da organização, perguntar, provocar e pesquisar até se ter segurança para responder à questão norteadora: “o que precisamos que seja diferente no mundo depois dessa experiência?”


ALMA

A alma é o que Aristóteles chamou de ânima, a energia que dá vida e movimento ao corpo. Em tecnologia, é o software. Pra mim, no contexto dos eventos, é uma mescla de narrativa e fluxo.

A narrativa é a história que a marca ou a organização quer contar, com suas figuras de linguagem e maneirismos, conexões e conceituações, afirmações e negações, valores, mitos e heróis. É a camada de ludicidade que reveste uma mensagem estratégica usando arquétipos e recursos discursivos para humanizá-la, torná-la familiar e, enfim, aproximá-la do público. É transformar o que precisa ser reforçado, as mensagens-chave que precisam ser transmitidas, em uma história com começo, meio e fim, um fio condutor que faça sentido para aquelas pessoas, naquele lugar, naquele momento.

O fluxo é o ajuste fino que regula a torrente de signos que se constrói numa narrativa. É como se a narrativa fosse um propulsor, um acelerador e o fluxo fosse uma torneira que a gente abre e fecha conforme a intensidade da experiência que queremos proporcionar. Grandes professores e parceiros de facilitação de aprendizagem me ensinaram a chamar o fluxo de “gestão da energia”.

Ele é composto de ritmo e amplitude, duas grandezas que estão fundamentalmente unidas, se mesclam e se retroalimentam o tempo todo.

O ritmo é a velocidade, a cadência que os diversos momentos do evento devem ter, individualmente e vistos em conjunto. É efetivamente a gestão do tempo, real e percebido. Três horas de palestras na sequência, três horas na fila de uma ativação, três horas de um workshop de cocriação, três horas de um show ao vivo e três horas de uma dinâmica outdoor não são o mesmo tempo. Alguns eventos têm todas essas atividades e o trabalho está em organizá-las, conectá-las numa ordem que faça sentido para a narrativa.

A amplitude é a textura, a flexibilidade e a versatilidade que a experiência usa para gerir o ritmo, balancear a energia, manejar a relação expectativa-entrega e equilibrar conforto e desconforto. É criar cada momento do evento para que o conjunto seja adequado ao objetivo da narrativa e ao ritmo desejado. É entender o nível de energia do público que cada momento proporciona e gerenciar o que vem depois para entregar o complemento correto, devolver a energia lá pra cima ou esfriar um pouco, quando necessário. É saber quando e como provocar uma explosão e quando dar uma mangueirada gelada, quando provocar, chacoalhar o abacateiro e quando abraçar, acolher. Pense numa curva senoide, numa montanha russa, com seus picos e vales, naturais e construídos. É o mapa da jornada do usuário.

Expectativa é fundamental na amplitude do fluxo. Um super momento de reveal, lançamento de produto, apresentação de ciclo estratégico joga a energia do público nas alturas. Importante saber o que vem depois, mas igualmente importante é pensar no que vem antes, como a expectativa é estimulada, como gerar uma surpresa, criar um momento incrível. O tesouro mais cobiçado é a atenção do público e todos os detalhes devem ser pensados em função disso.

Os recursos pra se gerenciar isso tudo são inúmeros e interconectados. Dependem, claro, do budget, mas mais importante para efeito dessa reflexão é abordar a intersecção que há deste fluxo com a cultura da empresa, pois organizações que acolhem mais o erro permitem ir mais longe, inovar e assumir riscos, outras preferem manter a senoide mais flat, sem sobressaltos, o que restringe os recursos de design e gestão da experiência.

Eu gosto de pensar essa questão também em termos da interatividade, do papel esperado do participante em cada momento. Se for só sentar e assistir, num momento expositivo, é algo eminentemente passivo. Se for uma dinâmica em que todos atuam e trocam, é atividade pura e aí já se parte de outro ponto, de outra relação de protagonismo. Bom, nessa escala vocês já imaginam que temos infinitas gradações, temperos, tecnologias, qualidades, produções, tamanhos, espaços etc.

Ritmo e amplitude são dois lados da mesma moeda. No fluxo, eles não existem separados. Uma imagem conceitual que eu gosto é enxergar o ritmo como o comprimento e a amplitude como a largura do evento.

A grande questão norteadora da alma do evento, pensando em narrativa e fluxo, é “que emoção essa experiência quer passar e como o público será conduzido através da jornada?”


MENTE

A mente do evento é a camada cognitiva da experiência. Enquanto a alma cuida das emoções, algo visceral e irresistível, a mente “pensa” no que se precisa aprender ali e apreender dali.

Aqui entram os conceitos de educação corporativa, as metodologias de aprendizagem, como andragogia, lifelong learning, 6Ds, gamificação, aprendizagem social, ágil, vivencial, on-the-job (70-20-10), curadorias, microlearning, dinâmicas, workshops, facilitação, sprints, conteúdos em geral etc.

A mente é estimulada de forma diferente das emoções e dos sentidos. Ela obedece ao processo da lógica, gera hipóteses, teses e antíteses, ou seja, precisa de preparação, contexto e download de informações, depois reflexão, conclusões, retenção e muita prática, para gerar a apropriação e a segurança que permitem criar coisas novas e melhorar efetivamente o desempenho.

Isso não significa que seu evento vai ser uma aula. Aliás, muito pelo contrário, pois o nosso desafio como designers de experiência é justamente fazer a aprendizagem se camuflar na narrativa do evento com o mínimo de fricção. E nem todo evento vai ter uma camada de mente tão evidente, pois muitas experiências são concebidas para estimular apenas a emoção, a vivência. Ou apenas os sentidos, como veremos a seguir.

A questão que norteia da mente do evento é “que aprendizado essa experiência quer proporcionar?”


CORPO

O corpo é o que a gente vê, ouve, saboreia, cheira e toca. Enfim, é tudo o que a gente sente fisicamente, a dimensão do sensível. Em tecnologia seria o hardware. É no corpo que todas as outras dimensões se materializam. A narrativa criada na alma do evento precisa de suportes físicos para ser absorvida, as metodologias usadas na mente do evento também. Aquele objetivo descoberto e trabalhado no coração do evento encontra no corpo o seu momento culminante e inescapável: a entrega.

Aqui entra toda a produção, desde a parte mais pesada de técnica, elétrica, áudio, vídeo e iluminação, passando por tecnologia, cenografia e ativações, até chegar em alimentação e hospitalidade. Sem falar em todos os bastidores de manuseio, credenciamento, logística, compras, atendimento etc. A palavra-chave aqui é eliminar a fricção: as equipes responsáveis pela experiência devem trabalhar para que os participantes flutuem enquanto estiverem sob nossos cuidados.

A comunicação e o artístico também fazem parte do corpo da experiência. Um ponto de contato mal aproveitado, como um email inadequado, pode afastar uma pessoa do seu evento, assim como um material com acabamento ruim, um totem indicando o caminho errado ou uma customização com nome errado. Da mesma maneira, uma entrada de palco desorganizada ou um vídeo apresentado na hora errada podem deixar um residual amargo.

O corpo do evento é onde não há espaço para erros. Tudo tem que ser calculado, concebido, dimensionado e ensaiado para ser perfeito. É onde todas as forças se realinham para que o planejamento conceitual da experiência vire verdade, impressione, surpreenda, gere memórias que passem a fazer parte da história de cada pessoa. Isso é ser memorável.

A questão norteadora do corpo do evento é “como proporcionar uma experiência impecável, sem fricção e agradável para os 5 sentidos?”


Bom, isso é apenas a versão 1.0 de um trabalho em processo, que pretendo complementar, detalhar, derivar. Então, todas as críticas, sugestões e provocações são bem-vindas.